O Natal de Nuno Diniz

Conheça a receita de um dos pratos simbólicos dos natais em família

Fotografia: Fabrice Demoulin
Fátima Iken

Fátima Iken

Quando entramos em Sezelhe, aldeia debruada pelas serras do Gerês, Barroso e Larouco, parece que abrimos a porta de uma outra dimensão. O tempo pára, escuta-se para lá dos badalos do gado, respira-se a compasso da terra a latejar. No meio do nada que é tudo, um homem divertido abre a porta de sua casa e fica à conversa numa melopeia doce que se entranha. Esse homem é Nuno Diniz que deixou a capital para abraçar o paraíso. 

Nasceu em Lisboa, em 1960, e estudou Direito na Universidade Livre, mas o enleio pela cozinha falou mais alto. Começou no Yvy, em Londres, mas já cozinhou em mais de 100 países, percorreu todos os Michelin que há para conhecer, fez formação com Alain Ducasse, na Corden Bleu e École Escoffier, viajou por todo o mundo.

Se começou pela alta cozinha, o seu enlevo pela etnografia gastronómica que constrói o país, de norte a sul, inebria-o. Isso mesmo o levou, durante 14 anos, a viajar de norte a sul para escrever o livro sobre enchidos e fumeiro portugueses. A obra “Entre Ventos e Fumos” celebra uma verdadeira ode ao nosso património artesanal culinário. “Uma homenagem aos produtos e às pessoas que os possibilitam”. 

Descortinou centenas de modos de fazer e ingredientes ligados à paisagem e ao território que são uma espécie de rendilhado e formas de expressão. Um tesouro nacional que reuniu numa obra imprescindível. “A minha vida gastronómica é ao contrário. Começa pela altíssima cozinha e passa depois para a popular” que erradamente se apelida de baixa. Baixa que não é baixa em nada, mas antes “riquíssima”, como sustenta. Por isso, quer chegar a um conceito de “popular elitista”, onde se harmonizam as duas cozinhas de forma única. 

“O meu bacalhau de Natal” é da autoria de Nuno Diniz e combina “todas as receitas de bacalhau do país”. Da cebolada ao grão, das azeitonas à maionese (a evocar o “Zé do Pipo”), das línguas de bacalhau à gema de ovo, das couves à broa, tudo se alinha em camadas, exigindo enésimos passos e tempos de cozedura diferentes.


Ingredientes:
•    Cachaços de bacalhau, secos e demolhados em casa (durante quatro dias, no frigorífico, mudando a água apenas uma vez) 
•    Línguas de bacalhau, demolhadas 12 horas 
•    Louro 
•    Batatas kennebec pequenas 
•    Cebola branca, fatiada 
•    Grão
•    Salsa 
•    Alho francês 
•    Barriga de porco, fumada 
•    Alho, fatiado fino 
•    Couve tronchuda 
•    Leite das vacas de Sezelhe 
•    Ovos, azeite extra virgem, mostarda e limão para Maionese 
•    Broa de centeio de Pitões, picada 
•    Gemas Azeite extra virgem de Valpaços e Vinagre Quinta das Bágeiras, farinha de trigo; mostarda em grão; colorau; coentros e tomilho
•    Azeitonas pretas descaroçadas 
•    Pimenta preta em moinho Sal Marinho e Flor de Sal (Salmarim) 

 

Preparação:
1.Demolhar o grão durante a noite 
2.Cozer com cebola, salsa, alho francês, sal, alho e um pedaço de barriga fumada 
3.Reservar tudo
4.Cozinhar o bacalhau e as línguas em leite, com 3 dentes de alho sem germe, uma folha de louro (apanhada na altura para não estar seca), uns pingos de azeite e um ramo grande de coentros
5.Assim que começar a borbulhar, desligar o lume, tapar e aguardar 15 a 20 minutos (dependendo do bacalhau) 
6.Escorrer reservando em separado, leite, línguas de bacalhau 
7.Lascar bacalhau em pedaços grandes e reservar as espinhas. 
8.Juntar ao leite do bacalhau, as espinhas, um rabo do bacalhau, grãos de pimenta e mais 2 dentes de alho fatiados. Cozinhar durante 25m. Filtrar e reservar o leite 
9.Cozer a couve em água a ferver temperada com sal marinho e tomilho. Escorrer e cortar em pedaços 
10.Fazer a cebolada cozinhando o alho e as cebolas fatiadas, em azeite, temperando com sal, pimenta e uma pitada de colorau. No fim juntar um golpe de vinagre. 
11.Fazer um bechamel, aquecendo 3 colheres de sopa de azeite e 3 de farinha. Cozer cinco minutos, mexendo sempre, sem deixar ganhar cor, e juntar pouco a pouco, o leite de cozer de bacalhau. Cozer, mexendo sempre, até atingir a consistência preferida. Temperar e juntar um pouco de coentros finamente picados e mostarda em grão. 
12.Fazer a maionese. 
13.Cozer a batata com casca em água, bastante sal marinho, alho, louro e pés de coentros. Escorrer e acabar no forno a 200º (dar uma punhada para ficar “à murro”). Temperar com flor de sal e azeite que esteve previamente numa infusão com alho. 
14.Misturar a broa picada, com azeite, coentros picados e gema de ovo batida. Temperar. Montar, por ordem, de baixo para cima: Cebolada, Batatas, Lascas de bacalhau molhadas em azeite e temperadas com pimenta preta, Azeitonas às rodelas, Maionese, Línguas, Couve portuguesa, Bechamel, Broa
15.Colocar no forno para corar a broa 
16.Servir com caldo de grão e azeite emulsionado com coentros, salsa, coentros, tomilho, couve, ovos, leite, batatas, cebola, alho, alho francês e barriga fumada, tudo de Sezelhe.