Desafio em lata

Em Esperanto, ‘defio’ significa desafio. Mas há um outro Defio: trata-se do novo membro do projeto inovador Nat Cool fundado por Niepoort - uma comunidade de produtores com ideias semelhantes que fazem vinhos leves, fáceis de beber, de intervenção mínima. Certamente que todos já conhecem o projeto Nat Cool, mas talvez não tenham ouvido falar da dupla criativa por trás do Defio, um Baga estilo clarete, em lata. Só por esta razão, Sara Rodrigues e Matos e Ana Sofia Oliveira procuram entrar no hall da fama do vinho em Portugal. Ou notoriedade. Até porque um vinho como este exige coragem.


Tal como um investidor do Shark Tank, interroguei a dupla sobre a sua novíssima parceria e produto. Não possuem vinhas ou adega. O Defio é o primeiro vinho que lançam. O que as levou a produzir este vinho leve em lata? E porquê Baga? Será uma maravilha de sucesso específica para uma pandemia, impulsionada pela crescente procura por bebidas convenientes, portáteis e de dose única? Este tem sido um dos principais impulsionadores do crescimento dos vinhos enlatados no ano passado. Ou será que Sara Rodrigues e Matos e Ana Sofia Oliveira vão surfar a onda e tornarem-se as pioneiras do vinho tranquilo em Portugal transformadas em magnatas? Prevê-se que o mercado global de vinhos enlatados possa duplicar até 2028, passando de 235,7 milhões de dólares em 2020 para 571,8 milhões, de acordo com um relatório publicado em maio pela Grand View Research, uma empresa americana de pesquisa e consultoria de mercado.

A dupla conheceu-se em 2010, numa conferência internacional sobre Touriga Nacional, quando (em parte respondendo à minha pergunta sobre a casta Baga) Sara Rodrigues e Matos trabalhou em vendas para Luís Pato e Ana Sofia Oliveira em marketing e comunicação para a ViniPortugal. Os seus caminhos cruzaram-se regularmente em feiras de vinho, incluindo a Vinexpo de 2017 em Bordéus, quando cimentaram a amizade crescente com um desafio – lutando para almoçar na duna de areia mais gigantesca e quente que a então grávida Sara Rodrigues e Matos já tinha visto. Corajosa, lembra-se de ter pensado: “Se fizer isto contigo, farei qualquer coisa contigo!"

Nessa época, Ana Sofia Oliveira havia fundado a The Wine Agency, uma premiada empresa de marketing, relações públicas, comunicação e eventos de vinhos. Em janeiro de 2020, a vida de Sara Rodrigues Matos também deu uma guinada empreendedora quando fundou a Escola de Vinhos na Bairrada. Durante o primeiro confinamento, trabalharam juntas pela primeira vez em consultoria para um cliente produtor e trocando ideias. Foi uma saída para a criatividade e, quando um artigo sobre conservas de vinho despertou o interesse de Sara Rodrigues e Matos, partilhou-o com Ana Sofia Oliveira. Atenta aos benefícios ecológicos e à importância de embalagens alternativas para novos consumidores, Ana Sofia lançou um novo desafio - “vamos fazer uma... o mercado vai explodir”.

Como conta Ana Sofia Oliveira, o foco estava menos direcionado na oportunidade de mercado e mais para a vontade de perseguirem a sua própria visão. As amigas há muito que discutiam sobre como fazer e vender vinhos de que gostavam. Sara Rodrigues e Matos fez vinho durante a sua pós-graduação em enologia, em 2012, e para o seu casamento, em 2015, embora apenas microvinificações (não elaboradas para venda). As paixões partilhadas pelos mesmos estilos de vinho e as competências combinadas deram-lhes a confiança para transformar o pensamento em ação. Além disso, disse Sara Rodrigues e Matos, “somos uma parceria muito boa… quando uma de nós está impaciente ou cansada, a outra intervém”. O que é bom porque, além de escalarem a própria curva íngreme de aprendizagem, têm acompanhado a curva de aprendizagem do setor. Embora existam vinhos espumantes e frisantes portugueses (Flutt, Gazela, Gatão) e agora Portonic da Taylor's, Offley, Croft e Cockburns, não existiam vinhos portugueses leves em lata. É por isso que a imagem da lata do Defio retrata o par de scooter contra uma paisagem montanhosa (ou serão essas dunas?). “Queríamos refletir os altos e baixos da nossa jornada, com todas as suas aventuras e desafios”, disse Ana Sofia Oliveira.


Fruto da amizade

O processo foi muito mais lento do que a dupla esperava, embora tenham garantido a Niepoort como fornecedora do vinho dos seus sonhos e a marca Nat Cool desde o início. “Adoramos os vinhos, as pessoas e o conceito”, afirmou Ana Sofia Oliveira; basta dizer que o vinho do casamento de Sara Rodrigues e Matos foi feito na propriedade da Bairrada da Niepoort, a Quinta de Baixo. No entanto, o desafio técnico de fermentar o vinho em lata descartou os planos de lançamento com um Pet[illant] Nat[urel]. Em vez disso, optaram por apostar num Baga da Quinta de Baixo que, sendo feito a partir de uvas biológicas com intervenção mínima, ultrapassou outro problema técnico. Usar latas em vez de garrafas requer níveis mais baixos de dióxido de enxofre e cobre. Grandes fãs de Baga, ambas estão claramente entusiasmadas com o vinho. Descrevendo-o como “muito puro, com frutos vermelhos suculentos muito diretos, leveza e acidez fresca”, Sara Rodrigues e Matos explica que selecionou a primeira escolha de vários lotes de 2020 provados com Daniel Niepoort. Esperava-se que a Comissão Vitivinícola Regional da Bairrada atribuísse a classificação DOC Bairrada ao Defio, mas foi descartada devido à embalagem inovadora.

As percepções sobre os vinhos enlatados serem de qualidade inferior começaram a ficar para trás, na realidade, à medida que surgem novos estilos premium. Ao preço de £4,99 no Waitrose, supermercado premium do Reino Unido, Ana Sofia Oliveira e Sara Rodrigues e Matos ganharam confiança no ‘Igo’, uma Grenache orgânica de Navarra em latas de 250cl (que inspirou o rótulo resistente à água de alta qualidade da Defio). The Curator Collection - uma variedade de vinhos brancos, rosés e tintos enlatados - é elaborada por um dos melhores produtores da África do Sul (Adi Badenhorst) e abastecida pelos principais comerciantes de vinho independentes do Reino Unido. Otimista sobre as perspectivas deste setor, o relatório da Grand View Research afirma que "[uma] marca diferenciada, relevante e direcionada a consumidores e tendências específicos, tem mais hipótese de alcançar o sucesso do que aquelas que parecem ser um produto de massa”.

Com apenas 4.000 latas, o primeiro lançamento do Defio não poderia estar longe de um produto em massa. Os símbolos Nat Cool e clarete apontam firmemente para os amantes de vinhos ‘gluglu’/naturais. Enfatizando a portabilidade, bem como a facilidade em beber, o Defio é embalado numa caixa elegante de quatro com alça de transporte. Nesta, o logotipo ‘Fruto da Amizade’ conta como uma dica para dividir a caixa com amigos ou uma referência aos fundadores da Defio e à comunidade Nat Cool. Vendido diretamente no Instagram e direcionado para lojas de vinhos, bares de vinho, hotéis e restaurantes, a caixa custa €18-20. Qual o próximo? Sara Rodrigues e Matos e Ana Sofia Oliveira pretendem fazer crescer a marca, com uma coleção própria de vinhos. Se eu fosse um Tubarão, morderia.

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